segunda-feira, 21 de maio de 2012

UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO


Ele, um astro. Ela, uma estrela. Filmavam uma cena romântica, quando rolou um beijo. Entraram em órbita.

O profissionalismo foi para o espaço.


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PALANQUE


"Atenção, proprietário do Gol prata: queira, por gentileza, retirar o seu veículo (ou o que sobrou dele) da faixa amarela. A carreta quer terminar de passar."

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ESPÍRITO CARENTE

- Eu só quero ser ouvido.
Deus ouviu sua queixa. Transformou-o em orelha.

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SINAL FECHADO


O menino pede um trocado. O motorista se nega a dar e aciona o vidro automático, muro transparente. No carro, o adesivo: "Não sinta inveja de mim. Foi Deus que me deu". O sinal abre. Amém.

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sábado, 19 de maio de 2012

O AGOURENTO


- Há dias sinto uma dor aqui, no joelho. Parece inchado, não?
- Um pouco. O do meu tio também começou assim.
- Seu tio?
- É. Aquele que toca gaita na Rodoviária.
- O perneta?
- Antes não era.

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DO OUTRO LADO

Encontrava-se sentado numa pedra em cima da montanha mais alta. Dali, sua visão descortinava o vale azul; além, o sol a sumir entre os montes. À luz do poente, o rio serpenteava, reverberando escamas douradas. Contemplação, beleza comovente. Fechou os olhos e respirou fundo: a mente limpa, em paz. A voz que lhe chegou aos ouvidos também era apaziguadora, porém firme. "Estão te esperando. Está na hora de voltar." Sequer teve tempo de se erguer, porque o braço estranho envolveu-lhe o pescoço, apertando-o, apertando... Quando tornou a abrir os olhos, encontrou à beira da cama a mulher e os filhos, abraçados, sorrindo para ele. Do lado oposto, o médico:

- Não disse que ele voltaria logo?


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MICROCONTOS ERÓTICOS

BOMBEIRO

Seu corpo ardia. Ele apagou-lhe o fogo com a língua.


*
LÍNGUA FELINA
Bem de leve, mordeu-lhe as nádegas. Depois, a cintura, as costas, os ombros. E o pescoço. E a orelha.
- Se fosse um tigre, eu te devoraria. Iria te comer todinha. Literalmente.
Ela gemeu. Ele voltou a mordiscá-la... e a lambê-la como um gato.

*
DE LUXO
Despindo-lhe a calcinha, descobriu a tatuagem.
- Não me admira que sua companhia seja tão cara. Você é uma mulher cinco-estrelas.
- Conte direito, meu bem. São apenas três.
- E os seus olhos?

* * *
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CREME DE SANGUE


Sonhou que era baleado durante um assalto. Esqueceu. Como de praxe, foi à padaria comprar o sonho de todo dia. Encontrou o pesadelo.

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segunda-feira, 14 de maio de 2012

SEMENTE


O poeta sentia-se inspirado. Caminhava veloz. Chegar em casa, escrever, escrever... No meio do caminho, estancou o passo. Desânimo: perdera a inspiração. Em casa, deitou e adormeceu. Não longe dali, em outro quarto, alguém não conseguia dormir. Revirava-se na cama, a cabeça cheia de imagens e analogias. O que fazer com tanta inspiração? Levantou-se. Pegou caneta e papel. Escreveu, escreveu. Madrugada adentro, rabiscando, lapidando, riscando versos. A palavra germinando outro poeta.

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MÃE



I.
às vezes enche
mas quando falta
que vazio

II.
Três letras nas quais cabem mil palavras.

III.
Mais vale uma mãe do que um anjo da guarda.
Os anjos não lavam nem passam nossa roupa..

IV.
Às mães os filhos dedicam um dia do ano.
Aos filhos, todo ano, elas (se) dedicam todos os seus dias.

V.
Mãetenha-me em seus braços.



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quarta-feira, 9 de maio de 2012

O VAGÃO

Anoitece. Barulhenta, desliza sobre os trilhos a velha locomotiva, puxando atrás de si inúmeros vagões repletos de coisas ignoradas. O olho do trem, ciclope de ferro, varre a escuridão à sua frente. E a cada passagem descem as cancelas ao som do seu apito escandaloso, como se quisesse alertar os mais surdos ou, quem sabe, desencorajar os suicidas. Segue o trem, o último vagão desaparecendo sob o arco da ponte. Meu olhar desengatado fica sobre os trilhos.

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IDÍLIO NOTURNO


Fazia tanto calor que a Lua desceu ao lago para se banhar.
Assim que a viu, o sapo se apaixonou. Afobado, pulou na água a seu encontro. A superfície agitou-se: a imagem da Lua se desfez.
Dentro do lago, olhos arregalados, o sapo mirou o céu.
Lá estava ela, a fujona.

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CONHECE-TE A TI MESMO

Quis conhecer a si mesmo. Chegou a conclusão de que era uma pessoa muito fútil, vazia. Desde então só quer saber de conhecer outras pessoas. De si mesmo mantém distância. 


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BORBOERETUS


Urinava no bosque quando foi surpreendido pelo inesperado: uma estranha borboleta pousou-lhe no pênis. Achou a cena engraçada. Mas perdeu a graça quando sentiu a dor. Após a picada a borboleta fugiu. A dor se foi, mas veio a coceira. Ele passou uma pomada e foi dormir. Pela manhã, durante a urina matinal, surpreendeu-se com duas asas brotadas do seu pênis. Estaria sonhando? Uma nova dor, agora mais violenta, mostrou-lhe que não. O pênis ereto, com suas asas coloridas, havia se desmembrado do corpo, e, fugindo pela janela do banheiro, ganhou as ruas da cidade, para logo se aninhar entre as pernas de uma passante qualquer.


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ANOTAÇÕES DE UM POETA À TOA


I

Forço a poesia para que ela aconteça. Derramo o pote das palavras e encho de fragrâncias e temperos estas páginas inodoras, insossas.


II
Abro a caneta. Deixo verter as palavras até que escorram pelas sarjetas deste caderno. A poesia há de surgir como um barquinho de papel.

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domingo, 6 de maio de 2012

DELETADO



Um anjo travesso, da linhagem daquele que foi expulso, entrou no sistema divino, acessou a pasta DEUS e apagou o programa nomeado UNIVERSO. Viu tudo sumir,  incluindo ele.

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ENTRAVES




Trazia tatuado nas coxas o nome daqueles que a fizeram feliz. Na coxa direita, cinco nomes; na trave esquerda, idem. Um time quase completo. Esperava pelo 11º homem. Aquele que, como um goleiro, a agarraria com as duas mãos, e a levaria para longe, bem longe dali.

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PREDILETA

Estavam a sós, em campo aberto, à sombra de uma árvore.
- Você é a criatura que mais adoro nesta terra - ele disse.
Ela recuou:
- Mais que sua companheira? - perguntou. - Seus filhos?
- Mais. Sem você eu não vivo.
- E por que eu? Se há tantas outras...
- Você é minha predileta.
- Então, devo me entregar, sem resistência.
- Será melhor assim.
- Que seja - ela concluiu. - Venha!

A fêmea e os filhotes se aproximaram para participar do banquete.
Carne de gazela é a predileta dos leões.




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