sábado, 25 de dezembro de 2010

FLAGRANTES DO REVEILLON

FULANO, às 22h45
“Livre!”, bradou após terminar com a namorada. “Começarei 2011 nos braços da liberdade.” Dito isso, entregou-se ao porre. Arruaça, confusão, polícia. O Ano Novo o encontrou abraçado às grades.
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BELTRANO, 23h30
A bebedeira iniciou-se pela manhã. Agora ele está ali, debaixo da marquise, sonhando beijar a Cicarelli, enquanto um cão lhe lambe a boca...
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SICRANO, 24h15
Começou o ano com o pé direito. O esquerdo deixou em 2010, entre as ferragens do carro.

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[gORj]

domingo, 19 de dezembro de 2010

AMORA NEGRA*

Pedro e João mataram aula para irem pescar às margens do Paraíba.
A caminho de onde costumavam ficar, os dois notaram uma amoreira cujos galhos se projetavam sobre as águas do rio. A bem da verdade, nem todos os galhos estavam suspensos naquela direção. Daqueles que suas mãos podiam alcançar em solo firme, os meninos colheram deliciosas amoras.
Deliciosas, porém pequenas. Havia, sim, uma bem grande, mas esta amora pendia na ponta de um dos galhos estendidos sobre a água.
Tal detalhe não amedrontou João, que trepou na pequena amoreira e esgueirou-se pelos trêmulos galhos ao encontro do cobiçado fruto.
Seus dedos estavam para alcançá-lo, quando, de repente, o galho partiu, fazendo com que ele caísse no rio.
Pedro, que também não sabia nadar, agiu rápido e estendeu a vara de pescar ao alcance do companheiro. Os dedos de João logo alcançaram a ponta do caniço.
Cabia agora puxá-lo, tirá-lo da água.
Pedro tentava, mas a correnteza era forte, a margem escorregadia.
Não deu outra. Os pés resvalaram no barro e o menino deslizou para dentro do rio. Gritos abafados pela água. Ninguém para socorrê-los.
Alheia a tudo, pendia do galho partido a suculenta amora. Quase intocável, não fossem os dedos do Sol.

* miniconto revisto
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gORj

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

SINAL POSITIVO


Faltavam poucos dias para o Natal quando topei com Papai Noel. Estava bêbado. Parou na minha frente e pediu-me um trocado. Dei-lhe o dinheiro e brinquei: “Espero que neste ano o senhor se lembre do meu presente”. Ele me olhou, sério. “Não se preocupe, rapaz”, respondeu. “Seu presente já está reservado.” E, com o polegar sinalizando para cima, completou: “Pode acreditar que desta vez ele vem”.
Dito isso, deu-me as costas e, antes de partir, ainda repetiu: “Virá, sim. Desta vez não falha”. Sua mão mantinha o polegar levantado. “Um belo presente. Aguarde.”
Dias depois já não me lembrava mais desse episódio. Estávamos todos em casa. O Natal finalmente chegara.
Na noite festiva, minha mulher entregou-me um embrulho bonito, entrelaçado por fita vermelha. “Seu presente”, sussurrou-me ao ouvido.
Desembrulhei. Dentro havia apenas uma folha azulada. Trazia o resultado de um exame. De imediato veio-me à lembrança o sinal que o bêbado fizera em nosso encontro.
POSITIVO.
Lágrimas de alegria ressuscitaram minha crença em Papai Noel.
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gORj

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

NOTAS MÍNIMAS


Coletânea de microcontos da jornalista Katherine Funke, catarinense radicada na Bahia. São narrativas curtas que abrangem momentos sublimes de uma vasta gama de situações humanas, a maioria delas em circunstâncias bastante comuns, como uma caminhada pela rua, a fila de um banco ou a espera em um aeroporto. Os textos foram originalmente publicados em blog.
Editora: http://www.solislunaeditora.com.br/
Ilustrações: Enéas Guerra.
Compre aqui.

domingo, 5 de dezembro de 2010

ENTREVISTA

Entrevista concedida ao escritor Nilto Maciel.

PUBLICAÇÕES DE FIM DE ANO

Clique nas figuras para ampliar
@wgorj: participação com uma séire de microcontos.
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Participação com alguns poemas
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Kyrial.
Revista anual de literatura editada
pela PUC - Campinas, SP.

Lançada em 15 de nov. 2010

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Concurso de poemínimos promovido
pela FLIPORTO Digital.
Texto meu entre os 100 selecionados.
Adquira o livro
aqui.

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Histórias de Trabalho
- antologia lançada em novembro na Feira do Livro -
Porto de Alegre, RS.
Participação: 10empregados (microcontos).


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Livro da Tribo - agenda 2011
Participação c/ 3 poemas no modelo peq.
e 4, no mod. grande.
Faça sua compra.
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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

MINIFICÇÃO EM PORTUGAL

A CHAVE DO REINO


A fim de preservar o que lhe restava de reputação, o caminhoneiro apelou para uma atitude drástica, para não dizer medieval: confiou os domínios de sua mulher à proteção de um cinto de castidade. Levando a chave consigo, poderia viajar despreocupado, a testa isenta de pontadas.
Seguiu viagem. O chaveiro teve a sua vez.
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gORj

INFLÁVEL

img.
I
Só transava com prostitutas. Na milésima transa, algo espantoso aconteceu. De repente, sentiu o corpo esfriar, mas de tal maneira que sua parceira acreditou tê-lo matado de prazer. O homem não se mexia mais: boca e olhos abertos para o nada.
Acabara de sofrer uma transmutação. Sua pele mudara de textura. Parecia borracha.
No lugar de músculos, apenas ar.

II
Desespero. A prostituta sacode o boneco, como se tentasse ressuscitá-lo.
Unhas afiadas. O corpo inflado não resiste.
Dentro dele (ela sente na própria pele) havia mais do que ar.

III
O estouro atraiu os funcionários do motel.
No quarto, encolhida num canto, encontraram-na em estado de choque.
Das paredes e espelhos escorria um líquido viscoso, nojento.
O corpo da prostituta também era todo esperma.

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.gORj

SEQUESTRO APRESSADO

Regressavam de mais uma sessão terapêutica, o filho do empresário e sua mais nova babá (a décima quinta, para ser exato). De repente, o barulho de uma freada brusca. E dois homens encapuzados descem de um opala verde, arrebatam o garoto e arrastam-no para o carro. Vidros escuros, placa encoberta – partem cantando pneus.
Antes, porém, um dos homens deixara o seguinte bilhete: “Aguardem contato. Não procurem à polícia”.
Qualquer vacilo o garoto pagaria com a vida.
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À noite, ligaram exigindo o resgate. Deram um prazo de quinze dias para que o dinheiro fosse levantado.
Apesar do valor exorbitante, os pais do refém comprometeram-se em pagá-los a tempo.
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Na tarde seguinte, os sequestradores tornaram a ligar. Mostravam-se mais compreensivos. Aceitariam apenas a metade do primeiro valor. Mas encurtaram o prazo. Queriam a grana em dez dias.
Os pais concordaram.
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No terceiro dia, o casal recebeu outro telefonema. Dessa vez o líder da quadrilha exigia somente um terço da soma anterior. O prazo também diminuíra. Cinco dias.
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Veio o quarto dia e o telefone tornou a tocar.
Os bandidos pareciam mais impacientes. Perguntavam o quanto de dinheiro o casal já tinha em mãos.
A resposta não agradou. Queriam o dobro.
O pai argumentou que precisaria de mais uns três dias para apurar a quantia exigida; o gerente a quem pedira empréstimo mostrava-se relutante, burocrático demais; aguardava do banco um parecer que...
Quê?
Não pôde concluir a justificativa. O bandido desligara o telefone.
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Mais tarde, enquanto o casal se arrumava para sair, um dos criminosos retornou a ligação e, condescendentes, resolveram aceitar o valor apurado até ali.
Combinaram então a entrega do dinheiro num ponto afastado da cidade. Asseguraram que o moleque seria solto ainda naquela noite, num parquinho abandonado.
O sequestrador ditou o endereço.
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A negociação estaria terminada se o pai não fizesse este pedido (inesperado pedido, quase uma súplica):
– Não poderiam devolvê-lo amanhã?
Espanto do outro lado da linha:
– O que disse?!
– Amanhã. É que hoje...
A voz criminosa carregou-se de indignação:
– O senhor está pensando o quê? Que isto é alguma piada de sogra?
Mais que indignação, desespero. O sequestrador berrava:
– Amanhã?! De jeito nenhum! Com este pestinha, não ficamos mais. Nem mais um dia, entendeu? Nem mais um dia!
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gORj